De Povos Indígenas no Brasil

Notícias

Colonos são expulsos de reserva

18/03/2001

Autor: Marcus Fernando Fiori

Fonte: Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - RJ



Documentos anexos


Nove mil famílias são obrigadas a abandonar área indígena no Sul do Maranhão que garantem ocupar desde o século 19

Desde 1969, quando a União decidiu conceder suas terras aos índios krikatis, cerca de 9 mil famílias do Sul do Maranhão vivem um pesadelo. Agora, a Funai está requisitando as propriedades, pagando pelas benfeitorias uma quantia ínfima e deixando o agricultor abandonado à própria sorte.
É o caso por exemplo, de Leon Delix Milhomem, o Catuné. Ele tem 87 anos, nasceu em uma fazenda de Montes Altos, no Sul do Maranhão, e herdou a terra do pai, que nasceu no mesmo local, em 1882. Catuné se lembra que o pai foi o caçula de uma família numerosa - quando nasceu, a irmã mais velha, nascida na mesma fazenda, já tinha 20 anos. O fazendeiro não sabe precisar em que ano o avô, Raimundo de Souza Milhomem, chegou ao Maranhão, mas, quando jovem, ouvia os mais velhos dizerem que a história da família começou no início do século 19.
Ele afirma possuir documentos assinados pelo imperador Dom Pedro I concedendo ao avô as terras que hoje lhe pertencem. A propriedade foi dividida pelos filhos e está em poder dos netos. O octogenário exibe toda a sorte de documentação de cinco fazendas, das quais quatro estão abandonadas e uma, de 1.600 hectares, mantida em dia, inclusive com o Imposto Territorial Rural (ITR) pago.
Outro agricultor da região, José Martins de Oliveira, tem 62 anos e uma família enorme. Da área declarada como Terra Indígena Krikati, ele tinha 50 hectares. É pouco, mas ele e seus parentes viviam bem para os padrões locais. "Pela documentação, a fazenda pertencia à nossa família há pelo menos 99 anos", diz Oliveira. Há 15 dias, no entanto, o sonho se desfez. Plantar arroz, milho, mandioca, feijão, criar gado de subsistência e manter as chamas de uma pequena olaria acesa, nunca mais. Os Oliveira foram retirados da fazenda e, com outras 49 famílias, estão vivendo num assentamento do Incra. Oliveira recebeu uma indenização de R$ 9.270. "E ainda temos que ficar felizes, pois foi uma das. Indenizações mais altas entre todos os agricultores que já foram obrigados a abandonar suas propriedades", diz ele.

Histórias iguais - Não foi o caso de Abílio França Rodrigues, de 38 anos, que recebeu pelas benfeitorias em seus 30 hectares - três casas, pasto, pomar, culturas variadas e gado - a quantia de R$3.900. O pai de Abílio, Custódio Rodrigues Viana, de 65 anos, nasceu na terra que hoje pertence ao filho. Doente, o idoso vive de aluguel em Montes Altos, distante 30 quilômetros do novo limite da terra indígena. Custódio conta que também herdou a terra do pai, que nasceu e morreu ali.
A história de Raimundo Gomes Pereira, 29 apos, não é diferente. Ele perdeu 380 hectares de terra. Trata-se de uma herança do avô, que nasceu no local e morreu em 1983, aos 82 anos de idade. A propriedade, segundo Raimundo, está com sua família pelo menos desde 1901.
Raimundo recebeu uma indenização de R$ 15 mil. O valor do hectare na região é de R$ 150.
Tantos anos de convivência em comum transformaram essa gente numa comunidade tradicional. Eles partilham das mesmas histórias, costumes, ritos, esperanças e, agora, medo: o de perder suas terras. Os municípios que receberão a Terra Indígena Krikati -Amarante do Maranhão, Sítio Novo, Montes Altos e Lajeado Novo -são cidades que não oferecem empregos. Amarante, por exemplo, tem 55% de seu território considerado Area de Preservação Ambiental. Agora, mais 12% estão sendo transformados em terra indígena.
Há quem diga que a União está criando, naquela região, um problema social que dificilmente será contornado. Um novo cinturão de miséria pode estar surgindo. As cidades- pólos dos estados do Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí ainda não estão preparadas, mas em breve, certamente, terão 9 mil famílias em suas periferias.
Ninguém tem dúvidas de que as propriedades em questão pertencem aos índios krikatis. Nem mesmo os sertanejos. O problema é o descaso com que estão sendo tratados pelo Estado. Para a Funai, quem está dentro da área indígena - decretada como tal em 1982 - é classificado como "posseiro", independentemente de ter ou não documentos. Quem está na região antes de 1982 é considerado "posseiro de boa fé". Estes têm direito a uma indenização pelas benfeitorias. Os que entraram depois desse ano são considerados "posseiros de má-fé". Sem direito, portanto, à indenização qualquer.
Tanta arbitrariedade por parte da Funai se apóia no instituto do "indigenato". "O indigenato não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisjtos que a legitimem", explica o procurador da República no Pará Ubiratan Gazetta. Ele afirma que os índios e a Funai estão tomados de razão. Aos sertanejos, só resta tentar a sorte longe de suas terras, mesmo tendo na agricultura a fonte de renda e na atividade agrícola a única especialização -habilidade que vem da época em que "profissão" se chamava "ofício".
 

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