De Povos Indígenas no Brasil
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Existem diversas estratégias de retomada linguística, muitas relacionadas ao tipo e a quantidade de material linguístico disponível para os projetos das comunidades. Em alguns casos, ainda existem falantes ou lembradores que podem oferecer dados linguísticos em primeira mão para a composição do <em>corpus</em> linguístico da retomada. Em outros, a principal fonte de material linguístico são documentos históricos, que podem variar de gramáticas, catecismos e outros gêneros missionários a listas de palavras coletadas por viajantes e integrantes de expedições científicas. É importante destacar que tais materiais são sistematizações das línguas indígenas realizadas para objetivos específicos como a catequese, exigindo, portanto, apropriação crítica.
 
Existem diversas estratégias de retomada linguística, muitas relacionadas ao tipo e a quantidade de material linguístico disponível para os projetos das comunidades. Em alguns casos, ainda existem falantes ou lembradores que podem oferecer dados linguísticos em primeira mão para a composição do <em>corpus</em> linguístico da retomada. Em outros, a principal fonte de material linguístico são documentos históricos, que podem variar de gramáticas, catecismos e outros gêneros missionários a listas de palavras coletadas por viajantes e integrantes de expedições científicas. É importante destacar que tais materiais são sistematizações das línguas indígenas realizadas para objetivos específicos como a catequese, exigindo, portanto, apropriação crítica.
  
Outro aporte importante provém de idiomas que pertencem à mesma família linguística da língua em processo de retomada, como é o caso do Patxohã, que além das estratégias anteriores, também teve contribuições do Maxakali, a língua mais próxima geneticamente da língua dos [https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Patax%C3%B3 Pataxó].  
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Outro aporte importante provém de idiomas que pertencem à mesma família linguística da língua em processo de retomada, como é o caso do <strong>Patxohã</strong>, que além das estratégias anteriores, também teve contribuições do Maxakali, a língua mais próxima geneticamente da língua dos [https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Patax%C3%B3 Pataxó].  
  
 
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|[https://pib.socioambiental.org/pt/%E2%80%9COs_povos_ind%C3%ADgenas_tamb%C3%A9m_t%C3%AAm_o_direito_de_serem_respeitados_nas_suas_l%C3%ADnguas%E2%80%9D “Os povos indígenas também têm o direito de serem respeitados nas suas línguas”]
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|https://galeria.socioambiental.org/filestore/1/2/8/3/0/2_9a8e1077efac08a/128302scr_wm_88efcca001c597f.jpg|Anari Braz Bonfim. Foto: Andrés Cardona Cruz / Vist Project / Amazônia Real, 2023.
 
|https://galeria.socioambiental.org/filestore/1/2/8/3/0/2_9a8e1077efac08a/128302scr_wm_88efcca001c597f.jpg|Anari Braz Bonfim. Foto: Andrés Cardona Cruz / Vist Project / Amazônia Real, 2023.
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Em muitos casos entra em jogo o vínculo histórico, como é o caso dedos povos que tomam como base o Tupi Antigo – outrora “a língua mais usada na costa do Brasil”, segundo Anchieta – para promover as retomadas das próprias línguas, como acontece com os Tupiniquim no Espírito Santo e os Potiguara no Rio Grande do Norte e Paraíba. Os Potiguara no Sertão do Ceará adotam uma estratégia mista: usam tanto o método de ensino do Tupi Antigo como preenchem determinadas lacunas linguísticas com o Nheengatu falado no Alto Rio Negro, compondo uma língua que chamam atualmente de “Tupinheengatu”.
 
Em muitos casos entra em jogo o vínculo histórico, como é o caso dedos povos que tomam como base o Tupi Antigo – outrora “a língua mais usada na costa do Brasil”, segundo Anchieta – para promover as retomadas das próprias línguas, como acontece com os Tupiniquim no Espírito Santo e os Potiguara no Rio Grande do Norte e Paraíba. Os Potiguara no Sertão do Ceará adotam uma estratégia mista: usam tanto o método de ensino do Tupi Antigo como preenchem determinadas lacunas linguísticas com o Nheengatu falado no Alto Rio Negro, compondo uma língua que chamam atualmente de “Tupinheengatu”.
  
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As retomadas linguísticas muitas vezes fazem parte de uma tripla retomada, que inclui ainda o território e aspectos da cultura. Na retomada do Kwaytikindo, os Puri associam a recuperação de palavras e termos aos grafismos correspondentes, como os que representam os numerais. Já as retomadas territoriais permitem o contato com o ambiente sonoro tradicional do povo, fundamental para recomposição da sonoridade da língua e a interação com falantes não-humanos, dentro do que pode ser chamado de uma “cosmopolítica linguística”.
As retomadas linguísticas muitas vezes fazem parte de uma tripla retomada, que inclui ainda o território e aspectos da cultura.
 
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Na retomada do Kwaytikindo, os Puri associam a recuperação de palavras e termos aos grafismos correspondentes, como os que representam os numerais. Já as retomadas territoriais permitem o contato com o ambiente sonoro tradicional do povo, fundamental para recomposição da sonoridade da língua e a interação com falantes não-humanos, dentro do que pode ser chamado de uma “cosmopolítica linguística”.
 
  
 
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Edição das 16h31min de 21 de maio de 2025

Línguas indígenas em revitalização e retomada

Por Altaci Kokama

A revitalização linguística tem sido um dos principais tópicos de interesse de comunidades indígenas e de pesquisadores. São preocupações tanto teóricas quanto práticas para enfrentar o desafio da perda linguística, que ameaça sobretudo as línguas indígenas: a diminuição do número de falantes, a interrupção da transmissão da língua entre as gerações e a falta de uso da língua em contextos importantes da vida cotidiana e em novas situações sociais.

Através de um planejamento linguístico, comunidades indígenas vem pensando medidas para a promoção de novos falantes. Um exemplo bem-sucedido de metodologia de revitalização são os ninhos de língua, programa de imersão linguística desenvolvido pelos Maori na Nova Zelândia para revitalizar seu idioma - e que no Brasil tem sido implementado pelos Kaingang a partir da iniciativa da linguista indígena Marcia Gojten Nascimento.

As retomadas linguísticas podem ser consideradas um caso extremo de revitalização. Geralmente envolvem contextos em que houve a interrupção da transmissão da língua indígena entre as gerações, na maioria das vezes em decorrência da ação colonial através de guerras, epidemias, reduções de populações indígenas distintas em missões religiosas — dentre outras formas de violência que levaram ao silenciamento linguístico de boa parte das línguas dos povos originários existentes no território brasileiro.

A categoria línguas em retomada vem para chamar atenção que a maior parte das línguas indígenas consideradas extintas estão na verdade adormecidas, conforme a concepção de muitos povos, o que nos leva a outros conceitos de vitalidade linguística.

Tais línguas “adormecidas” continuam presentes em inúmeros aspectos da vida cotidiana das populações indígenas, como na toponímia, em artefatos de caça ou pesca, em situações especiais como incursões na mata, e principalmente no domínio ritual. No caso do Nordeste brasileiro, região em que os povos indígenas foram duramente afetados pelos processos coloniais, as línguas indígenas muitas vezes continuaram a ser usadas por falantes “mais-que-humanos”, como os encantados, prevalecendo a dimensão do secreto relacionada aos conhecimentos indígenas.

Existem diversas estratégias de retomada linguística, muitas relacionadas ao tipo e a quantidade de material linguístico disponível para os projetos das comunidades. Em alguns casos, ainda existem falantes ou lembradores que podem oferecer dados linguísticos em primeira mão para a composição do corpus linguístico da retomada. Em outros, a principal fonte de material linguístico são documentos históricos, que podem variar de gramáticas, catecismos e outros gêneros missionários a listas de palavras coletadas por viajantes e integrantes de expedições científicas. É importante destacar que tais materiais são sistematizações das línguas indígenas realizadas para objetivos específicos como a catequese, exigindo, portanto, apropriação crítica.

Outro aporte importante provém de idiomas que pertencem à mesma família linguística da língua em processo de retomada, como é o caso do Patxohã, que além das estratégias anteriores, também teve contribuições do Maxakali, a língua mais próxima geneticamente da língua dos Pataxó.


Em muitos casos entra em jogo o vínculo histórico, como é o caso dedos povos que tomam como base o Tupi Antigo – outrora “a língua mais usada na costa do Brasil”, segundo Anchieta – para promover as retomadas das próprias línguas, como acontece com os Tupiniquim no Espírito Santo e os Potiguara no Rio Grande do Norte e Paraíba. Os Potiguara no Sertão do Ceará adotam uma estratégia mista: usam tanto o método de ensino do Tupi Antigo como preenchem determinadas lacunas linguísticas com o Nheengatu falado no Alto Rio Negro, compondo uma língua que chamam atualmente de “Tupinheengatu”.

As retomadas linguísticas muitas vezes fazem parte de uma tripla retomada, que inclui ainda o território e aspectos da cultura. Na retomada do Kwaytikindo, os Puri associam a recuperação de palavras e termos aos grafismos correspondentes, como os que representam os numerais. Já as retomadas territoriais permitem o contato com o ambiente sonoro tradicional do povo, fundamental para recomposição da sonoridade da língua e a interação com falantes não-humanos, dentro do que pode ser chamado de uma “cosmopolítica linguística”.

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